quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

indicação de (não) voto

Como candidato proposto e apoiado por milhares de cidadãos, têm-me alguns pedido uma indicação de voto/não voto nas presidenciais do próximo dia 23. No plano legal, vale a pena atender à síntese de JJ do clube dos pensadores:
«[...] O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico , mas não é obrigatório. [...] há o direito de ir votar, mas também o direito de não ir votar conscientemente e não por comodismo. [...] está consagrado na Constituição o "direito de resistência" [...]. Ninguém é sancionado por não ir votar.»
No plano político, há cidadãos que reconhecem um mínimo de virtude democrática no actual regime e se revêm, em consciência, no perfil político de algum ou vários dos actuais candidatos presidenciais. Para esses, o problema de domingo resume-se a ponderar o candidato com que se identificam e que melhores garantias dá de um exercício do cargo de presidente da república ao serviço do bem comum.
Para os outros que, como eu próprio, já perceberam o carácter mais virtual que virtuoso da actual  "ordem constitucional vigente", da actual "situação política", o problema resume-se a decidir entre a abstenção, o voto branco ou o voto nulo. Bem sabemos como, nas noites eleitorais, alguns comentadores costumam interpretar cada uma destas opções ao sabor das suas conveniências políticas e paixões pessoais. Daí que, se se enquadra neste grande grupo de «indecisos decididos a mudar o estado a que isto chegou», escute a voz da sua consciência e siga o caminho que a experiência e sensibilidade pessoais lhe indicam como o mais directo para uma verdadeira reforma do regime político em Portugal.
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Dito isto, partilharei convosco as minhas disposições pessoais neste momento, não tendo ainda tomado uma decisão final. Pessoalmente, considero as seguintes permissas:
i) o forte investimento que o regime vem fazendo no apelo à participação nas urnas (anúncios nos autocarros, metro, no multibanco, em spots TV e rádio) - apelo esse de que o próprio vencedor anunciado se fez eco, dirigindo-o personalizadamente à Igreja Católica - é sinal de que os preocupa deveras a possibilidade de um "cartão amarelo" (ou vermelho) dos portugueses, manifestado precisamente por um significativo aumento da abstenção;
ii) que uma eleição pouco participada sempre fere a legitimidade democrática de quem é eleito (e basta pensar que até um referendo nacional deixa de ser válido se contar com menos de 50% de participação);
iii) que para muitas pessoas comungando dos nossos valores não existe qualquer razão para reforçar a legitimidade democrática de Cavaco Silva, depois do que fez no 1º mandato e da falta de consideração para com a nossa candidatura, (i) não se dignando receber-nos quando solicitado e (ii) não se pronunciando a favor da admissão desta candidatura quando o Tribunal Constitucional por escrito lho pediu nos finais de Dezembro;
iv) que a abstenção anunciada pelas sondagens deverá rondar os 35% e que a abstenção nas presidenciais de 2006 se cifrou nos 38,5%, então é natural que venhamos a interpretar qualquer valor da abstenção acima dos 35% - e especialmente acima dos 38,5% - como uma manifestação de descontentamento dos portugueses para com a sua actual classe política - Cavaco Silva incluído - que diz querer chamar os cidadãos à política, mas tudo faz para lhes manipular a opinião e mantê-los à distância dos processos de decisão (vd. aeroporto de Lisboa, TGV, art.º 24 da Constituição, não-referendo ao tratado de Lisboa,tratado de Nice, tratado de Maastricht, etc).
v) que essa manifestação de desaprovação será tanto mais clara e enfática quanto a abstenção se aproximar dos 40% e até dos 50% - essa barreira "psicológica" da legitimidade democrática, acima da qual até um referendo perde a sua validade.
vi) que em Portugal não existe uma tradição de acolhimento consequente do voto em branco, repercutindo-o, por exemplo, em lugares vazios no parlamento como eu e muitos defendemos;
vii) que também o voto nulo não produzirá qualquer efeito  ainda que 95% dos eleitores fizessem o que algumas pessoas me anunciaram pretender fazer no boletim de voto: acrescentar o meu nome, um novo quadrado... e "votar nele"

Considerando todos estes dados, inclino-me neste momento para manifestar ao sistema o meu desagrado pela forma exacta que este mais demonstra recear - chamemos-lhe "abstenção activa", "abstenção estratégica", "abstenção consciente", o que se quiser. Será isto também uma forma de reprovação da Comissão Nacional (Partidocrática) de Eleições e do serviço público de televisão que nos barrou o acesso aos debates a 2; de reprovação da negligência de centenas de Juntas de Freguesia que não nos enviaram as certidões de eleitor a tempo e de repúdio pelo rigorismo formalista do Tribunal Constitucional que, finalmente, nos chumbou uma candidatura que provou ter o apoio de 7907 portugueses.
Uma vez que a praia ainda "não puxa" e as previsões meteorológicas apontam para bom tempo no domingo, nenhum comentador sério poderá agarrar-se àquela já gasta explicação balnear para esta nossa "greve às urnas". Assim estaremos a exigir, também, uma renovação dos actores e programas políticos, o corte das conexões perigosas e tóxicas entre os grandes partidos e os grupos de interesses, a devolução da política aos cidadãos, a sujeição das narrativas políticas a critérios de verdade e rigor, a contenção do alastramento de fenómenos subterrâneos como a maçonaria e afins, o regresso da "separação dos poderes", a submissão da "ética legalista amoral/imoral" aos critérios naturais e verdadeiramente democráticos do bem comum, das famílias portuguesas, das pessoas concretas.

pro aris et focis

Voltarei!
Guimarães, 20 de Janeiro de 2011
Luís Botelho Ribeiro